Esforçado e dedicado pai que era ele! Amava a sua filha acima de qualquer coisa. Tornou-se assinante da revista “Pais & Filhos”, leitor frequente dos livros de Piaget e de bons artigos de psicologia infantil. Era um pai adorável. Perder a apresentação de sua prole na escola? Jamais. Desmarcava qualquer compromisso.
Era sim, de fato, bastante orgulhoso. Vivia dizendo que o fato de ser homem jamais afetaria a sua relação com a filha. Por isso, desde já lia revistas de adolescentes e se interava cada vez mais do universo feminino. Embora a sua pequena só tivesse 5 anos de idade, ele queria se precaver. Dizia: - Quero estar preparado para responder qualquer dúvida de minha filha.
Na verdade, era orgulho. Machista como ele só, jamais admitiria que a mãe tivesse mais afinidade do que o pai. Em sua obsessão por ser o preferido da filha e poder ostentar isso a sua ex-esposa, fez também cursos de maquiagem, culinária, aulas de balé, corte e costura e aprendeu tudo sobre a Xuxa, a Angélica e a Barbie. Tudo para ter mais coisas em comum com a sua filhinha.
Certa vez, passou em frente a uma livraria: “Liquidação de Livros infantis! Fique mais próximo do seu filho através dos livros”. Marketing perfeito. Escolheu alguns clássicos e pensou:
- Minha filha vai adorar! Sou mesmo um pai melhor do que a mãe.
No fim de semana, quando pode estar com a sua filhota, ele logo mostrou os livros:
- Vamos nos divertir muito. Vou te contar um monte de historinhas.
- Beleza, legal! – exclamou a menina.
- Então lá vai a primeira... Era um vez uma menina com cachos dourados que entrou na casinha de três ursos: O urso pai, o urso filho e a ursa mãe...
- Papai, os três ursos moravam na mesma casa? – questionou a filha.
- Sim, minha filha.
- Por quê?
- Ora, porque eram uma família. Era uma mãe, um filho e um papai forte como eu! – Disse o pai tentando impressionar a filha, mas a esperta menina se intrigou mais ainda:
- Então porque eu, você e mamãe não moramos juntos?
Um a zero para a pequena garota. O pai gaguejou, se desconcertou e...
- Vamos ler outro livro? Olha só esse! Era uma vez uma menina que estava andando sozinha na floresta para levar doces para a sua avó, então...
- Papai, porque ela estava sozinha? Por que o pai dela não a levou?
- Chapeuzinho vermelho não tinha pai, minha linda.
- Só tinha mãe e avó?
- Era... bem... ela tinha pai, mas ele estava trabalhando.
- Ela só tinha avó? Não tinha avô? Onde estavam os homens? Só as mulheres é que cuidavam das crianças?
Dois a zero para a garotinha e o jogo ficava cada fez mais difícil para o papai que já não sabia o que fazer para melhorar a sua defesa. Já a garotinha, tinha ainda muita força para atacar...
- Vamos tentar outro livro. Deixa-me ver um no qual apareça a figura de um pai, deixa eu ver... achei! Era uma vez a Branca de Neve. Sua mãe morreu quando ela ainda era um bebê, sendo assim, foi criada somente pelo pai. Está vendo minha filha, a Branca de Neve foi criada pelo pai. Ele deve ter se esforçado muito para criá-la sozinho. – e continuou a ler – O pai de Branca de Neve casou-se novamente com uma mulher que tinha inveja de sua filha. Como o pai estava muito apaixonado pela nova esposa, mandou que os soldados levassem a sua filha para o lugar mais assombrado da floresta e abandonassem-na... – nesse instante o pai fechou o livro revoltado – mas o que é isso? Quem escreveu essa história? O Sindicato das autoras feministas? Nenhum pai faria isso?
Três a zero para a filha, e desta vez, foi gol contra. Ela nem se quer questionou nada. O pai se enrolou no meio da história sozinho.
E assim foi... em João e Maria os filhos eram abandonados na floresta pelo pai, a Tuberlina também não tinha pai, os três porquinhos eram uma família de irmãos sem nenhum pai, a vendedora de fósforos então, nem se fala, preferiu morrer congelada a voltar para casa e ser espancada, mais uma vez, pelo pai. Que absurdo! Um pai não podia ler mais para a sua filha? Será que os contos foram criados para fazer com que as crianças desde cedo odiassem os seus pais? E quando falamos em pais não dizemos “pais e mães”, mas sim, os papais. Era revoltante.
Só havia uma maneira de resgatar a sua integridade de homem. Para manter o seu relacionamento perfeito com a sua filha ele nunca mais contou nenhuma dessas absurdas e mentirosas historinhas infantis. Sabem o que ele fez? Comprou de presente para a sua princesinha o mais moderno e desejado vídeo-game da época. Ela adorou!
- Você é o melhor pai do mundo.
- Melhor do que a mamãe também?
- Claro, muito mais.
Vitória! Virada aos 45 do segundo tempo. A sua filha o amou quando ganhou o novo presente e passou a ficar ali diante da TV horas e horas. Até pedia para ir à casa do pai mais vezes, só para ficar ali paralisada na frente da TV. Nada de contos, conversa, balé, maquiagem, bonecas... apenas o belo presente. Nada de perguntas difíceis ou de quebrar a cabeça para entender as crianças. Em vão teria sido qualquer livro de psicologia, afinal, ele havia descoberto uma maneira de ganhar bem mais facilmente o amor da cria. O pai olhava todo orgulhoso a sua filha crescendo sem lhe dirigir uma palavra, vidrada no televisor. Consigo, então, pensava:
- Sou o melhor pai do mundo