domingo, 9 de agosto de 2009

Uma carta de alforria para a alma - Bruno Rodrigo


Era quarta-feira. Catarina odiava as quartas-feiras. Quarta-feira era dia de receber cartas no presídio feminino. Pobre Catarina, sua família era pobre demais para pagar um ônibus interurbano e mais três coletivos para ir visitá-la toda semana. Também não receberia cartas. Eram todos analfabetos.


Pobre e infeliz mulher foi Catarina em sua passagem de vida por esta terra. Sua mãe foi presa e condenada por tráfico de drogas quando ela ainda tinha sete anos de idade, e essa foi a última vez que pôde vê-la. Durante uma rebelião no presídio feminino, onde sua genitora cumpria regime fechado, o mesmo onde hoje cumpre a mesma pena e pelo mesmo crime, nove detentas foram mortas pela polícia. Entre elas, a mãe de Catarina.


Catarina cresceu em ambiente conturbado, não conheceu o pai, e nunca ganhou um carinho de sua avó. Não que sua avó fosse uma má pessoa, mas não se pode exigir muito de uma senhora de 73 anos, analfabeta, viúva, negra, moradora de favela, excluída, que teve uma filha marginalizada e uma neta, que por trama do destino, acabaria no mesmo caminho da mãe.


E assim Catarina viveu sua liberdade, presa ao molde de seu destino. Transformou-se no que todos esperavam. Não surpreendeu a ninguém, nem a si própria, pois no fundo, sabia que um dia acabaria no mesmo lugar que sua mãe, e isso não era motivo de vergonha. Ser preso ou ter algum familiar cumprindo sentença era a coisa mais comum na favela onde morava.


Catarina realmente seguiu os passos de sua mãe. Parecia até que sua vida era uma remontagem, uma nova versão do destino que sua mãe viveu. Ao ser presa, Catarina também deixou uma filha. Quando ela olhava os gigantes muros da penitenciária e os pássaros que voavam, sentia em seu peito uma dor que tal contraste lhe causava. Era difícil para ela enxergar e mesclar dentro de si o sentido da liberdade e da prisão.


O único consolo que trazia, era o fato de sua filha ter ficado aos cuidados de uma tia, juntamente, com os cuidados do pai. Mas Catarina era pessimista em relação ao destino, e imaginava a sua filha naquele mesmo lugar um dia.


Então veio mais uma quarta-feira, uma bela quarta-feira, a mais bela de todas as quartas! Catarina recebeu uma carta. Para a sua surpresa, a sua pequena filha estava frequentando a escola e começava a escrever. Aquela mãe presidiária não conteve-se de alegria e ansiedade. Mostrou o papel para uma colega de cela e pediu para que lesse rapidamente o conteúdo daquele pequeno texto. Era uma carta curta que dizia: "Mamãe ti amu saudades muinta de voce". Exatamente assim. Sem seguir muitas regras gramaticais ou ortográficas. Era uma escrita pura de quem começava a conhecer as palavras, mas tinha total conhecimento do amor materno.


Catarina passava os olhos todos os dias sobre aquela carta. Ficava tentado descobrir qual daquelas palavras corresponderia a “mamãe”. Olhava incansavelmente para o papel, não fazia ali uma leitura do texto propriamente dito, mas sim uma leitura de uma nova vida, de um novo destino que poderia acontecer. Agora ela acreditava em sua filha. Acreditava que seria possível ver a sua prole em um lugar diferente de um presídio ou de uma boca-de-fumo.




Ah..! Aquelas palavras diziam isso tudo ao coração de Catarina. Como era bom receber cartas de frases curtas escrita pela filha. E assim foram as quartas-feiras. Catarina passou a amar as quartas-feiras.

5 comentários:

  1. Oi Bruno! Bonito texto.
    De repente tudo pode mudar!
    Eu não gosto de fim de semana...
    Quem sabe isso muda um dia?

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  2. Com certeza, bastará um bom motivo!!! Obrigado!

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  3. Sônia! vc aqui! rsrsrs

    "Eis o amor, uma pequena atitude de amor muda a nossa vida."
    Perfeita crônica Bruno.

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  4. Muito Obrigado. Bom saber q vcs dois se conhecem... KKKK !

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  5. Lindo texto, me fez refletir ...

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Obrigado pela visita - Bruno Rodrigo