domingo, 5 de julho de 2009

Dialética de uma razão - Bruno Rodrigo

A juíza bateu o martelo e pediu silêncio no tribunal:

- Deixem que o réu termine de falar, por favor! Disse ela com o tom de voz, que um mestrado em direito civil, um doutorado em direito criminal e três especialização jurídicas feitas na Itália lhe deram - Continue senhor John.

- Obrigado Meritíssima. Então, saí de casa atrasado naquele dia. Sou um homem compromissado e honro pontualmente todas as minhas obrigações, por isso, sou tão respeitado e conquistei tudo o que tenho. O carro da minha esposa não deu no tranco na hora de levar a minha filha para a escola, sendo assim, tive que levar a minha garota ao colégio, o que me atrasou 28 minutos em relação ao tempo que preciso para chegar ao trabalho. Apressei-me. Eu não estava acima da velocidade permitida, como já foi comprovado pela perícia, mas eu estava realmente com muita pressa. À duas esquinas antes do semáforo, pude ver que o sinal estava aberto, então, avancei livremente. O que eu não contava, era com um cidadão displicente que atravessava a faixa com o sinal fechado para pedestre. Eu não podia parar, eu estava com a razão, o semáforo me autorizava a avançar. E eu avancei. Ainda tentei desviar do infeliz, mas não deu. Foi uma fatalidade, mas eu não posso ser culpado. Afinal, não é isso que diz a regra: pare no vermelho e avance no verde? Pois bem, eu agi corretamente, agora, se o cara atravessou quando deveria esperar, se ele não conhecia o funcionamento do trânsito, se ele era daltônico ou quis se matar, o problema não é meu. Acidentes assim acontecem, estão nas estatísticas. Eu estou com a razão.

Após alguns questionamentos e protocolos, é chamada a esposa do homem que fora morto na faixa de pedestre.

- Com a palavra a Srª Silva.

- Obrigada. De fato, o meu marido realmente atravessou com o sinal fechado. Um dia antes do fato ocorrido, os home tinha ido lá em casa, pra mode de cortar água, luz, porque tava tudo atrasado. Nós temo dois filho sabe dotora, dois muleque que vão ficar sem pai agora. Semana passada, o dono da casa foi lá com uma ação de despejo, pra botar eu, o João meu marido e os dois pentelho pra rua. Deu prazo de um mês. Só que aí, mere... merii... ai eu não sei como se fala, vou chamar do dotora mesmo, aí dotora, Deus teve piedade de nós. Por uma vez na vida Jesus Cristo, com interseção do meu São Bento, que eu não largo de lado por mode de nada, olhou pro meu João. No dia em que foi morto pelo demônio, meu João seria promovido. O chefe dele ligou pro celular, que inclusive nem crédito tinha, e avisou para ele ir mais cedo. Tinha que chegar logo porque o diretor tava na empresa e queria falar com ele pessoalmente. A promoção que João lutou a vida inteira saiu. Por isso que meu marido saiu de casa com pressa. O salário dele ia miorar bem, sabe? Ia dar pra nóis mudar e pagar os atraso. Ele ficou com a cabeça na lua, e acabou morrendo no caminho do serviço. Agora dotora, o moço bem apessoado aí, falou que não parou porque não quis. No máximo tentou desviar... é... tava com a razão. Eu me pergunto: será que quem tem a razão, pode agir do jeito que quiser? A razão só traz direito? Não traz obrigação não? O fato de tá certo dá o direito de matar um pai honesto e trabalhador. Ainda que meu marido fosse multado, mas pagar com a vida um erro de trânsito... é muito alto esse preço. Em quanto as “estartirsticas”, pra mim não são nada. Se de cada dez pedestre não sei quantos são atropelados, pra mim e pro meus fiote nada vale. Não venha calcular em porcento, por que eu, perdi 100% do meu home. E agora? Vou explicar pros menino que isso é só “estartirsticas”? Porcentagem? Uma realidade? Não sei falar bão que nem o senhor não, mas entre as “estartirsticas” e a vida, prefiro a vida. Eu estou com a razão.

A Meritíssima naquele momento refletiu consigo mesma:

-Se as pessoas soubessem a complexidade que está envolvidano fato de estar certo, nas responsabilidades que a razão traz, não quereriam tanto ser donos da verdade o tempo todo. Por vezes, é bem mais confortável estar errado.

Mas apenas pensou. Continuou o julgamento. Precisava resolver a questão, pois ainda existia mais de 180 casos para análise só naquele mês.

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Obrigado pela visita - Bruno Rodrigo