Naquela varanda daquele orfanato fazia frio. Era outono, as folhas caiam secas indo ao encontro da terra. Tornariam-se adubos no seio da “Mãe Gaia”.Que inveja! Eu não tinha um seio para me aconchegar, não tinha mãe. Eu sentia o frio daquele fim de tarde, só não sentia amor.Também não sentia as mãos entorpecidas pelo vento frio da estação vigente. Engraçado, as estações vão se alternando uma a uma, preparando terreno para a Primavera: Mãe de todas as estações. Que inveja era a minha, não tinha mãe.
E assim o dia foi se cansando, se enfraquecendo, foi se escurecendo e resolveu ir dormir. Sempre que o dia saía para deitar-se, a sua mãe, a Dona Noite, assumia o seu posto. Assim, o dia descansava no colo da sua mãezinha para se dispor ao amanhã que viria em breve. O que o dia não sabia, era que quando ele dormia, dormia também a minha esperança de ter conhecido a pessoa que um dia me gerou, e quando ele acordava, a mesma esperança acordava também.
- Peru tem mãe?
- Nada, - respondeu-me lambendo os lábios - é filho de chocadeira.
Que inveja preta foi a minha. Não sei quem é essa tal de chocadeira, mas ao menos o peru tinha mãe. O Bispo José Pedro nos visitou naquela noite. Apresentamos uma linda canção para ele, que após nos aplaudir, disse:
- Vocês, meus anjinhos, devem orar no dia de hoje, pois hoje é data do nascimento do nosso Senhor Jesus. Olhem o presépio. Ele está feliz porque está no meio de nós, bem ali, nos braços da sua “Santa e Magnífica Mãe”. Podem confiar Nele. Contem tudo para Ele.
Eu fui dormir. No meio da noite, levantei-me e fui até o presépio, olhei para o Menino Salvador e comecei uma conversa com Ele:
- Oi Jesus, tudo bem? Disseram-me que você fez o mundo, as pessoas, os animais, os seres visíveis e invisíveis, tudo que existe foi feito por você, e sem você, nada foi criado. Acontece que hoje, enquanto eu estava na varanda, vi que todos têm mãe. A folha seca, que é filha da Dona Terra, o dia, que é o unigênito da Dona Noite, as estações, que pedem a benção a Dona Primavera, o peru, filhinho querido da Srª Chocadeira e especialmente você, que tem a melhor de todas as mães, como disse o Bispo José Pedro, ela é “Santa e Magnífica”. Bem, vou comporta-me direitinho o ano todo. Obedecerei a Irmã Clara, ajudarei os meus coleguinhas, e prometo, não vou fazer “xixi” na cama. Mas no Natal que vem, me dá uma mãe? Não precisa ser “Santa e Magnífica” como a sua, pode ser uma Noite ou até uma Chocadeira mesmo, mas ...
- Estás tão feliz! Suas feridas não doem?
- Não! Minha mãe cuida delas, por isso não doem. Carinho de mãe é quente como o sol do verão, mas em relação às dores, é como o frio do inverno. Gela e entorpece a dor. Você já sentiu as mãos entorpecidas pelo frio não já? Então, amor de mãe faz a mesma coisa com as dores da alma.
-Desculpe-me pelo que direi, mas grande é minha inveja. Eu não tenho mãe.
-Tem sim – Disse-me o garotinho puxando-me pela mão e levando-me até a sua mãe – Eu não sou egoísta, pode ficar à vontade, eu te empresto a minha.
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Obrigado pela visita - Bruno Rodrigo