domingo, 5 de julho de 2009

Eu te empresto a minha - Bruno Rodrigo

Naquela varanda daquele orfanato fazia frio. Era outono, as folhas caiam secas indo ao encontro da terra. Tornariam-se adubos no seio da “Mãe Gaia”.Que inveja! Eu não tinha um seio para me aconchegar, não tinha mãe. Eu sentia o frio daquele fim de tarde, só não sentia amor.Também não sentia as mãos entorpecidas pelo vento frio da estação vigente. Engraçado, as estações vão se alternando uma a uma, preparando terreno para a Primavera: Mãe de todas as estações. Que inveja era a minha, não tinha mãe.

E assim o dia foi se cansando, se enfraquecendo, foi se escurecendo e resolveu ir dormir. Sempre que o dia saía para deitar-se, a sua mãe, a Dona Noite, assumia o seu posto. Assim, o dia descansava no colo da sua mãezinha para se dispor ao amanhã que viria em breve. O que o dia não sabia, era que quando ele dormia, dormia também a minha esperança de ter conhecido a pessoa que um dia me gerou, e quando ele acordava, a mesma esperança acordava também.

Então, simplesmente Dona Noite veio e apagou as luzes. Irmã Clara entendeu o sinal da Dona Noite e me chamou para jantar. Era ceia especial de Natal. Iríamos comer peru. Eu perguntei ao meu amigo de quarto, que sentou-se ao meu lado:

- Peru tem mãe?

- Nada, - respondeu-me lambendo os lábios - é filho de chocadeira.

Que inveja preta foi a minha. Não sei quem é essa tal de chocadeira, mas ao menos o peru tinha mãe. O Bispo José Pedro nos visitou naquela noite. Apresentamos uma linda canção para ele, que após nos aplaudir, disse:

- Vocês, meus anjinhos, devem orar no dia de hoje, pois hoje é data do nascimento do nosso Senhor Jesus. Olhem o presépio. Ele está feliz porque está no meio de nós, bem ali, nos braços da sua “Santa e Magnífica Mãe”. Podem confiar Nele. Contem tudo para Ele.

Eu fui dormir. No meio da noite, levantei-me e fui até o presépio, olhei para o Menino Salvador e comecei uma conversa com Ele:

- Oi Jesus, tudo bem? Disseram-me que você fez o mundo, as pessoas, os animais, os seres visíveis e invisíveis, tudo que existe foi feito por você, e sem você, nada foi criado. Acontece que hoje, enquanto eu estava na varanda, vi que todos têm mãe. A folha seca, que é filha da Dona Terra, o dia, que é o unigênito da Dona Noite, as estações, que pedem a benção a Dona Primavera, o peru, filhinho querido da Srª Chocadeira e especialmente você, que tem a melhor de todas as mães, como disse o Bispo José Pedro, ela é “Santa e Magnífica”. Bem, vou comporta-me direitinho o ano todo. Obedecerei a Irmã Clara, ajudarei os meus coleguinhas, e prometo, não vou fazer “xixi” na cama. Mas no Natal que vem, me dá uma mãe? Não precisa ser “Santa e Magnífica” como a sua, pode ser uma Noite ou até uma Chocadeira mesmo, mas ...

Não consegui continuar minha oração. Chorei, chorei muito. Minhas lágrimas eram um oceano às avessas que desaguava águas salgadas em um rio. Eu olhava o Cristo e sentia inveja. Ele dera mãe a todos e a si próprio. Porém de mim, tão inútil pobre e medroso, ele se esquecera. Voltei para o meu quarto e logo adormeci. Sonhei com um menino que cantava alegremente apesar de ter grandes feridas abertas em seus punhos. Perguntei-lhe:

- Estás tão feliz! Suas feridas não doem?

- Não! Minha mãe cuida delas, por isso não doem. Carinho de mãe é quente como o sol do verão, mas em relação às dores, é como o frio do inverno. Gela e entorpece a dor. Você já sentiu as mãos entorpecidas pelo frio não já? Então, amor de mãe faz a mesma coisa com as dores da alma.

-Desculpe-me pelo que direi, mas grande é minha inveja. Eu não tenho mãe.

-Tem sim – Disse-me o garotinho puxando-me pela mão e levando-me até a sua mãe – Eu não sou egoísta, pode ficar à vontade, eu te empresto a minha.

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Obrigado pela visita - Bruno Rodrigo