domingo, 5 de julho de 2009

Tirando sentar, para que mais se usa uma cadeira?

Escute, rapaz, você já parou pra pensar direito o que é uma cadeira?
A cadeira faz o homem. A cadeira molda o sujeito pela bunda,
desde o banco escolar até a cátedra do magistério.
Existe algum mistério no sentar, que o homem, mesmo rindo fica sério.
Você já viu um palhaço sentado?
Pois o banqueiro senta a vida inteira, o congressista senta no senado
e a autoridade fala de cadeira. O bêbado sentado não tropeça,
a cadeira balança mas não cai. É sentado ao lado que se começa o namoro.
Sentado está Deus Pai, o presidente, o dono do mundo e o chefe da repartição.
O imperador só senta no seu trono que é uma cadeira co'imaginação.
Tem cadeira pra tudo que é desgraça. Os réus têm seu banco e o próprio indigente que nada tem, tem no banco da praça um lugar para sentar.
Mesmo as meninas do ofício, que se diz o mais antigo,
têm escritórios em todas as esquinas e carregam as cadeiras consigo.
E quando o homem atinge seu momento mais só, mais pungente de toda a estrada,
mais uma vez encontra amparo e assento numa cadeira chamada privada.
(Trecho retirado do livro “Gota d'água” de Chico Buarque e Paulo Pontes – Ed. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1983)
Você já parou para pensar no que é uma cadeira?
Juntamente com Paulo Pontes, o grande compositor, cantor, escritor e cidadão brasileiro Chico Buarque escreveu, inspirado pela tragédia grega “Medéia” de “Eurípides”, o livro Gota d'água. Em um dos trechos, uma das personagens faz uma reflexão sobre “a cadeira”. Interessante! Talvez nunca tenhamos parado para pensar na cadeira, ao menos não de forma tão filosófica como traz o texto acima.
Talvez você possa até pensar que uma cadeira não é o melhor tema para uma boa produção textual, mas aí meu amigo, cuidado para não cair sentado! Os objetos mais simples do nosso cotidiano têm tantas histórias para nos contar, que se fôssemos relatar sobre todas, seria até bom o leitor se sentar para não se cansar.
Cadeira vem da palavra grega “Kathédra”, que significa lugar para se sentar. Taí, cadeira deveria se chamar “sentador” ou “sentadeira”, mas ao invés disto, a palavra saiu do grego e veio dar descanso aos lusos através do latim: se transformou na palavra “cathedra”, que possuía uma conotação de superioridade. A palavra “cathedra” nomeava as cadeiras de braço, gigantes e bonitas, quase que tronos, que eram usadas somente pelos professores, os altos membros do clero e qualquer outro que fosse dotado de algum poder, ou seja, cadeira era sinônimo de autoridade.
No texto, a personagem afirma que a cadeira molda uma postura ao sujeito que a usa. Sendo assim, nós usamos a cadeira ou será ela que nos usa?
O aluno inteligente e aplicado, fica sentadinho o tempo todo e faz da sua cadeira o seu trono, afinal, aquele que quer receber o conhecimento se mantém sentado, e se puder ficar calado, melhor ainda.
Mas o aluno que se levanta, contesta, pergunta, bagunça, e simplesmente não consegue se manter preso e moldado aos limites da sua cadeira, o que ele é? É mal aluno! E quem afirma isso? A cadeira. Sim! Calada e sem se mover, a cadeira acusa o aluno que está de pé. Ora! Mas como? Simples! Ele está de pé, e não sentado. Ao corromper o uso da cadeira, o aluno se proclama “desordeiro”.
Já viu algum palhaço sentado? Pergunta a personagem no texto.Postura de palhaço não é se sentar, essa, pertence ao banqueiro e ao próprio “Cristo” que está sentado à direita do “Pai”. O réu só se senta para ser acusado, já que para receber a sentença, em uma “pré-condenação”, lhe é retirado o assento. O trabalhador quando pega o ônibus lotado às 18:30hs, para voltar a sua casa, fica de espreita, analizando as pessoas que irão se levantar, para que ele possa se ocupar de algum dos seus lugares. É impressionante, o sujeito mais cobiçado dentro de um ônibus é a cadeira. A mesma da qual eu agora me levanto para ceder lugar a uma senhora grávida:
- Ei moça! Pode se sentar aqui! Fique à vontade!
- Muito obrigada!
-Não agradeça a mim, agradeça a cadeira. Se ela não tivesse vencido os preconceitos socias, passado do grego para o latim, deixando para trás a conotação de autoritarismo que lhe era própria, se vulgarizando até ser de alcance de todos os suburbanos e proletários, você não poderia encontrar descanso como encontra agora!
É, nem preciso dizer que a moça não entendeu nada, o cobrador fez o nome do pai, o negão que estava atrás de mim pisou no meu pé e a velhinha de bolsa de crochê começou a rir... Aff!Ignorantes! Também, se eu for querer que todos se empolguem tanto por causa de uma cadeira... é melhor eu esperar sentado!

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